domingo, 30 de setembro de 2007

Carta a mim mesma

Após os muitos e longos anos de domínio externo de minha província, enfim venço a batalha revolucionária e conquisto a emancipação. Dona dos domínios do mar. Tranquilamente vazia. Não por estar no topo, mas simplesmente por estar. Mesmo antes da obsessão pela aquisição de grandes terras. E sem mais a acrescentar. Não há os velhos bons tempos. Eles nunca existiram. Foi-se a neurose do ser dividido. Recordar é reviver o inferno do passado. E prever é utopia infundada da infância. Carpe diem... A colheita da falta. Colheita de torcicolo. Toda torta. Colheita do vento. Que sopra ao contrário, bagunçando braços e cabelos. Não há império que resista. Vazia e dona do mar. Tenho a ampla visão das corujas. E a inatividade compulsória de larvas e tentáculos infecundos. Do líquen, do abismo cortante do mar. A luz pacata e fria dos recortes e trevas abissais. Da amplitude fechada dos poros. E assim eu vivi, reinei e morri. Sem túmulos nem inscrições. Espontânea, recusei-me a comprar o amor perturbado daqueles que seriam os meus semelhantes. Para honrar um lugar e uma espécie. Por respeito à distorção irreversível dos corpos e das horas. Por viver um sonho desfocado. E por ter adivinhado o alívio dos segredos da morte. E que durma em paz.

Em nome da liberdade,

Ana.

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