sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Colóquio artesanal

Ele tinha um gosto desconhecido. E eu lutava contra as minhas pernas, pois elas me guiavam para lugares ancestrais, e no tempo presente eu apenas podia reconhecer o riso gelado de muitas vozes que jogavam para ganhar. Elas me julgavam, por não aceitar o meu comportamento vulgar. Eu vacilava. Flutuava ante a ausência, coisa alguma, que não se poderia explicar a céu aberto. Mas eu precisava respirar. E demorei a me permitir a clausura. Ele tinha um gosto que me lembrava das muitas estrelas desaparecidas do além-mar. Não sabia se estavam mortas, mas reconhecia que não poderia vê-las por muito tempo. Talvez não as visse no quintal, talvez eu sonhasse com a luz de astros que há milênios residiam há milhas do sistema solar. Ele insistia para que eu parasse o sofismar. Iludia-se, eu mal poderia dizer a mim mesma o que esperar. Ele era tudo o que eu poderia querer, pois nada além dos seus olhos era o bastante para me perseguir pelas infindáveis horas do dia, da noite, da alvorada, dos minutos, do nunca mais. Como ele achara tempo para fugir às obrigações do planalto? Seguro-me, pois sou forte e poderia sustentar o cismar de um déspota aterrador. Sobrevivo à falta de ar. Muito mais. Afogo-me quando ele me esconde, de propósito, as águas do mar.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Imperatriz

Já tive muita raiva. Exasperava. Fugiria para o Himalaia caso pudesse. Subiria aos céus. Desceria aos malogros da terra roxa. Eu não saberia, não entenderia para onde deveriam os ares me levar. Mas não. Em momento algum desejei sumir contigo. Irava tal pimentão. Chorava de ranger cartilagens, não dormia antes de ver pus e sangue pingando das mãos. Ilusões dissipadas pelos sonhos e pela noite. E ao me olhar, olhava-te, e tinha a certeza de que a genética era parte dos astros e do cosmos e de que eu nunca poderia me separar de ti. Bem sei que estás a milhas de meu humilde condado. O aluguel está atrasado, faltam-me os ingredientes essenciais para que eu possa cozinhar a receita da vida. Mordo-a, e sinto-a crua. Muitos anos se passaram em vão. Gira a roda estéril que não nos tira do chão. O desgaste a que fora submetida te faz pensar que não sinto a falta do teu calor. Sinto que tuas mãos estão frias, tuas bochechas estão congeladas, teus braços estão trancados, e teu peito envenenado. Acusa-me de ter roubado de ti o fogo. Acuso-te de ter roubado o fogo de ti mesma. Não sei como te explicar. Um olhar bastaria, já que eu não poderia abraçá-la sem trincar o gelo das tuas pálpebras. Pois às vezes sinto que as calotas polares derreterão muito antes da tua Fortaleza.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Nominus

Eu não quero ser como ela. Que diz não acreditar em Deus, mas faz questão de montar a árvore de natal. Tampouco quero ser como ele. Estava com a vida perdida, e mesmo assim insistia pra eu assistir O Segredo e pensar positivo. Uma semana depois ele virou um homem de negócios. Também não quero ser como eles, que se desentendem ao rabiscar com tinta as folhas do jornal. E têm a estranha mania de fumar todas as pontas. Quero o embaraço das coisas mais simples. Quero usar duas lentes transparentes no meu rosto. Presas por um aro. Atrapalho-me toda. Esqueço-me de guardá-los. Às vezes até me esqueço de viver. Só porque as lágrimas já secaram. Mal pude perceber os olhos teus!...