sábado, 19 de abril de 2008

Para mim mesma

Isabella foi jogada da janela pelos pais. Ela morreu, e suas mãos estavam sujas de sangue, pois junto dela, muita gente também morreu. Gente que antes dela não tinha assunto pra comentar. Eles pensam ter achado motivo pra analisar, refletir, criticar. Mas, de fato, não há muito o que fazer, pois lá no café do mercado grande há uma fila muito grande, grande demais. Os executivos não querem esperar e até mesmo a gente do povo tem dificuldade em conseguir um pouco de açúcar para o café. De fundo, música de morte. Música, baixinho, de velório, com sininho. Som ambiente, muito mais sutil do que aqueles encontrados no elevador. Porque os mercados acoplaram-se aos shoppings, e lá há muitos produtos, muitos consumidores que passeiam por lá. Eles têm vontade de comprar coisas de que não precisam, mas eles ainda não têm nem mesmo o que eles precisam. Mesmo quando não há luz, luz artificial, e os geradores plagiam eletricidade pelos corredores. E em dadinhos transparentes reluziam bonequinhos e luzes, e muitas pernas e saias. Eram todas da minha mãe. Ela fica tão linda nas vitrines. Linda de uma beleza coberta de lágrimas. Betty Boop não vestia mais vermelho. Era branca e cansada de sangue. Cansada de lutar batalhas cujo fracasso já se modelara antes mesmo da invenção dos primórdios da etiqueta, da eloqüência, das vitórias, das bolas de cristal. E ele estava em minha direita, o quatro obscuro e procurado, o quadro de moldura incerta escolhido pelo meu novo copo de Pocahontas. Meu pai, it clariciano da história, e que nada tem a ver com o ele que descrevo, não sabia o quanto eu gostava das simplicidades exóticas contidas num líquido nutritivo, embalado em papelão (Como eu gostava de suco de abacaxi e côco!). De algum modo, algo de mim estava dentro daquele copo, e ele me beijava e sorria para mim. E eu sei que nós sumiremos juntos e, não fossem os preservativos, teríamos muitos filhos sob as palmeiras das ilhas menores da Indonésia.