quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Para o Leo

Ele era, assim, discrepante. Mesmo para os padrões mais subterrâneos. E a falta de reciprocidade me obrigava a escrevê-lo, agora que não há mais as luzes, mais as cores, mais os bichinhos que passeavam em doses cada vez maiores daquelas balinhas salvadoras! E pensar que eu tomava refrigerante... E que ele não bebia. Apenas a água, que a custo tornamos natural, eram tantas as bolhinhas! Não sei por que há empresas que insistem em fabricar uma água assim... Que fabricassem suco então, ora essa!

Bem vos digo que as minhas mãos já eram nuvens... Minha coca era adulterada. Pois que insistem em legalizar tantos e tantos tipos de droga! Os donos do bar vendiam droga destilada para mim, mas o que realmente dava lucro para eles eram as drogas fermentadas. Mas eu não gosto. Prefiro coca. Adulterada. Prefiro, ainda, acima de tudo, a alacridade. Imagina quem se droga por motivo outro que não a felicidade?!... E o mais estranho de tudo era que as minhas mãos já eram nuvens... Não foram humanas o bastante para desalinhar aqueles cabelos que ele prendera a fim de assegurar ordem diante da existência de mais uma noite como tantas outras quaisquer.

E ele sabia como agradar a uma menina tão sozinha. No alto! Tinha certeza de que eu poderia conquistá-lo por uma noite – apenas. Ele me deixaria depois – ainda mais sozinha e encantadora!... E é por isso que pedi a ele para que repousasse as suas mãos humanas ao redor do meu pescoço. Era tempo de ele me fazer uma nova trança. E as mãos humanas dele eram – pasmem – femininas! E trançaram meus longos cabelos, não sem antes cobiçarem a minha cintura, bem me lembro. Aquelas mãos, as mais belas por serem compatíveis ao céu embriagado.

Ah, eu poderia ter oferecido a ele outras plantas!... Ele rejeitaria apenas os cogumelos. Pois bem sei que os cogumelos não existem fora da floresta. E ele não poderia me levar até lá! Pois já éramos a floresta. Ele realmente sabia como me agradar. Sabia conversar com as nuvens, e entender os delírios das nuvens, e esperar que minhas mãos recobrassem a humanidade. O que, de fato, não aconteceu antes do retorno. O retorno ao verde da floresta! Retorno aos cogumelos etéreo-destilados. Vida na mais pura fase de decantação... Ele fumava. Aguardo o retorno do homem cujas mãos femininas foram capazes de trançar os meus cabelos e atravessar as veredas da eternidade.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

O homem da floresta

Não fossem aqueles momentos de contato mais intenso com o vazio refletido pela vida, não me haveriam forças para suportar tantos dias sucessivos, que existem um a um sem ao menos combinarem-se a algo que estaria, justamente, entrecortado pelo reflexo vazio de mais um dia de vida. Mais um como todos os outros, não fossem aqueles momentos que me dedico a conversar com as árvores. E conversaria com as folhas que caíam sobre os meus cabelos, até que ele chegasse e começasse a fumar.

Pois me seria muito fácil olhar e descobrir que um homem estava ao meu lado. Quem seria, tão perto de mim? Pude ver os cabelos caindo sobre os ombros. Em pé a endireitar, aprumar, espreguiçar-se. Os mesmos movimentos de outrora. Não era aquela a nossa primeira vez. O mesmo ritual ao encerrar mais uma dose de seu vício diário.

Ao sair, ele poderia ir e encontrar-se com um bando de amigos, o que me seria uma morte muito lenta e aterradora. Poderia voltar ao trabalho, caso tivesse um. Poderia ir para a aula. (Não!...) Poderia escrever relatórios sobre o poder curativo das plantas. Ou ainda, sobre as flores e folhas que se podem ou não podem fumar. Poderia despedir-se de sua mulher e viajar para o Himalaia. Talvez ele pudesse levá-la, por que não?

O fato é que, seja lá para onde ele tenha se levado, eu não saberia dizer o seu rosto, pois tudo quanto vi no plano da realidade foram os seus cabelos caindo sobre as costas. Ele tinha um rosto imaginário cheio de nuvens que eu preenchia para poder lembrá-lo como o retrato de um homem que existiu em minha vida.

E esses dias sucessivos, que me chegam sobrecarregados de tantos acontecimentos importantíssimos, e ao mesmo tempo, todos eles dispensáveis. Pois se encolhem diante do nada maior, fonte da vida refletida, a soterrar uma multidão furiosa de muitos e tantos dias. Até que o tempo parasse. E então, um encontro casual com o homem da floresta.

sábado, 15 de dezembro de 2007

O Elo Perdido

Ela me insultava, e era uma vilã muito violenta. E ela lutava por um mundo desigual, pois prezava, acima de tudo, a originalidade. E pregava contra a rebeldia. E contra a desordem desajeitada dos enjeitados. E ela também me usava todas as vezes que fingia fazer parte da minha vida! Sua importância crescia à medida que o distanciamento derradeiro aumentava os passos de sua marcha macabra e tendenciosa.

Enquanto isso, eu cuidava de arrumar um namorado pra ela. Pois eu sei muito bem que toda menina que quinze anos sonha encontrar um homem pra passear por aí... Um homem de uns 16, 17... Mostrável ao público e à alma... Aplicável aos seus olhinhos de goiaba madura! E ele seria alto, magrinho, de cabelinhos caindo sobre o rosto angelical... E ele adoraria os mesmo desenhos dela, e ela aprendera comigo a amar o excêntrico das melodias avassaladoras. (Um músico árabe ancestral já definira melodia como um conjunto de notas apaixonadas entre si).

Convoquei o nobre enamorado para ser o meu jovem servo. Ele seria uma ponte entre nós. Entre mim e ela – ele. A ela os primeiros suspiros e as primeiras carícias da mocidade. A mim as informações necessárias à configuração de um inquérito policial! A ele chamarei Acácio. E a ela, Brumalina.

Acácio e Brumalina – leria-se no convite da formatura. Pena ela já ter se formado antes mesmo de encontrá-lo!... Entretanto, todo o jogo é perigoso. Acácio se apaixonara! E ela, não fosse o medo do desconhecido, também se entregaria. Amavam-se!... Acácio me entregou a ela, e fui excomungada. Essa não!...

Não desisto. Hei de encontrar método mais eficaz para reencontrar Brumalina... E para reconquistar a coragem de Acácio. Eu lutava para que a ponte fosse permanente e devidamente instaurada. Cansara-me do suplício individualista, repleto de reclames e de tentações misantrópicas... Sublime a maioridade!... Quero mesmo é a paz universal!... Ah, se fosses minha, Brumalina... Eu jamais teria conhecido Acácio!... E até quem sabe eu já seria uma modelo.