terça-feira, 25 de dezembro de 2007

O homem da floresta

Não fossem aqueles momentos de contato mais intenso com o vazio refletido pela vida, não me haveriam forças para suportar tantos dias sucessivos, que existem um a um sem ao menos combinarem-se a algo que estaria, justamente, entrecortado pelo reflexo vazio de mais um dia de vida. Mais um como todos os outros, não fossem aqueles momentos que me dedico a conversar com as árvores. E conversaria com as folhas que caíam sobre os meus cabelos, até que ele chegasse e começasse a fumar.

Pois me seria muito fácil olhar e descobrir que um homem estava ao meu lado. Quem seria, tão perto de mim? Pude ver os cabelos caindo sobre os ombros. Em pé a endireitar, aprumar, espreguiçar-se. Os mesmos movimentos de outrora. Não era aquela a nossa primeira vez. O mesmo ritual ao encerrar mais uma dose de seu vício diário.

Ao sair, ele poderia ir e encontrar-se com um bando de amigos, o que me seria uma morte muito lenta e aterradora. Poderia voltar ao trabalho, caso tivesse um. Poderia ir para a aula. (Não!...) Poderia escrever relatórios sobre o poder curativo das plantas. Ou ainda, sobre as flores e folhas que se podem ou não podem fumar. Poderia despedir-se de sua mulher e viajar para o Himalaia. Talvez ele pudesse levá-la, por que não?

O fato é que, seja lá para onde ele tenha se levado, eu não saberia dizer o seu rosto, pois tudo quanto vi no plano da realidade foram os seus cabelos caindo sobre as costas. Ele tinha um rosto imaginário cheio de nuvens que eu preenchia para poder lembrá-lo como o retrato de um homem que existiu em minha vida.

E esses dias sucessivos, que me chegam sobrecarregados de tantos acontecimentos importantíssimos, e ao mesmo tempo, todos eles dispensáveis. Pois se encolhem diante do nada maior, fonte da vida refletida, a soterrar uma multidão furiosa de muitos e tantos dias. Até que o tempo parasse. E então, um encontro casual com o homem da floresta.

Um comentário:

biel madeira disse...

singelo...
lindo como quase sempre...
adorei (com o meu coraçãozinho batendo de novo, sempre forte, sempre violento nas suas palavras)